TÍTULO DO SIMPÓSIO:
GÊNEROS E FORMAS DA CONTAMINAÇÃO LITERÁRIA: HIBRIDAÇÕES NA LITERATURA ITALIANA
Ana Flávia Gonzalez Ferreira (USP)
A literatura permeia vários outros campos científicos. Entre eles, podemos dar destaque ao Direito. No livro: “A Coluna Infame”, Manzoni dá destaque a um julgamento ocorrido em Milão no século XVII. Neste evento histórico é possível analisar como o Direito é usado para dar uma resposta rápida à sociedade, que buscava um culpado para a peste que assolava a cidade italiana naquele momento. Tal análise é extremamente crítica, uma vez que aponta falhas no procedimento penal adotado, baseado sobretudo na tortura, bem como em seu resultado: a condenação de inocentes somente para apaziguar o ânimo da população que exigia uma resposta das autoridades para as mazelas por que passavam. Sobre a temática, podemos destacar o ensinamento de Foucault (2013), que relata que o suplício é a forma escolhida pelo Estado para controlar os corpos de seus súditos, mostrando que muitas vezes não temos domínio de nossa própria estrutura física. Essa punição corpórea, como dito, se dá por meio da tortura e, como destaca Manzoni, deveria ser apenas uma forma de pena. No entanto, com vistas a dar celeridade processual, a tortura, no período inquisitório, também é utilizada durante a instrução processual. A ausência da legalidade nos procedimentos penais do período decorre da desvirtuação do sujeito, que passa a ser visto não mais como cidadão e sim como inimigo da sociedade, justificando assim o seu sofrimento. O suplício desse “inimigo” tem por finalidade o expurgo da dor causada à comunidade pela violência da peste, fazendo com que os supliciados funcionem como verdadeiros “bodes expiatórios”. Esse é um ótimo exemplo de como a literatura pode abrigar eventos jurídicos reais e analisá-los por uma perspectiva crítica.
PALAVRAS-CHAVE: Direito; literatura; tortura; punição; peste.
REFERÊNCIAS:
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